domingo, 28 de outubro de 2012

Mais um adeus

Era mais uma dessas conversas que se evita a todo custo. O problema era que, dessa vez, fui eu quem não pude evitar o assunto. E quase sem pensar disparei a pergunta como um raio: "O que você quer de mim?". Ela me olhou e do fundo de seus olhos castanhos, podia ver que a pergunta lhe causou um arrepio quase sobrenatural. "Eu não sei, não me pergunte isso. Você me complica".

Uma resposta tão satisfatória quanto um tapa na cara, então sou eu quem complica as coisas. Me remexi na cama onde estávamos, buscava uma forma de ver seu rosto e ainda assim manter uma certa distância de segurança. Segurança, falso sentimento de controle ante a situação que me encontrava. "Quero saber para agir da forma mais correta". Ela agora evita meu olhar, mantinha seus olhos voltados para o teto e sua boca remexia inquietantemente. Houve um silêncio tão grande que quase pude ouvir seus pensamentos, ela ao pressentir meu intento atirou de volta minha pergunta: "E você, o que quer?"

É claro, já sabia que isso iria acontecer. Não que já tivesse uma resposta pronta, mas aquele momento era tão inevitável quanto todo esse diálogo. Inspirei profundamente e em seguida deixei o ar sair de meus pulmões suavemente. Havia duas possibilidades de resposta, na primeira eu diria tudo o que ela queria ouvir e na segunda diria com honestidade o que eu penso - minha pausa se prolongou um pouco mais. Todo homem sabe que para as mulheres pouco importa o que nós pensamos, desde que elas escutem aquilo que estão esperando.

Tomei minha decisão, elegi não agrada-la. "O que quero é estar com você... mas não posso te prometer uma relação séria, não funciono assim. O que podemos é estar juntos para que, quem sabe um dia, possamos ter algo mais sério. Você tem seu namorado e eu não vou te pedir que deixe-o. Não sou desse tipo de homem. É você quem tem de decidir o que é mais conveniente". Enquanto minhas palavras rasgavam seus ouvidos seu rosto foi empalidecendo. E o, quase, entusiasmo que ela exibia quando me fez a pergunta sumiu por completo.

Estava feito o estrago? Não sei, mas não podia parar de falar. Então continuei a falar sem medir as palavras que saiam de minha boca: "Não te peço que abandone sua relação com ele. Essa relação é a coisa mais segura que você tem agora, é uma segurança que não tenho condições de te oferecer em curto prazo". Não pense que eu buscava propositalmente vestir uma máscara de monstro. A verdade é que eu queria força-la a confrontar a realidade sem ser hipócrita, ou utilizar das armar que os amantes sempre fazem uso.

"Eu sei que isso não está certo, mas você está tornando tudo mais difícil". Ela finalmente reagiu e, como era de se esperar, não tinha ficado nem um pouco contente com tudo o que tinha acabado de ouvir. A culpa era em parte minha, porém buscava dizer a verdade e até aquele momento estava evitando qualquer tipo de clichê piegas para convence-la, ou manipular sua decisão.

Apesar de meu desespero interno meu olhar mantinha uma calma e intensidade quase bíblica. Queria abraça-la, mas contive o impulso. Respirei calma e pausadamente por uns instantes, o silêncio pesava entre nós dois e atuava como o terceiro integrante daquela desgostosa conversa.

"Você me trata como se estivéssemos namorando, mas você já tem um namorado. Imagine se ele te encontra assim, do jeito que estamos agora". Ela empalideceu ainda mais, era quase possível sentir o nó no estômago que essa ideia lhe causava. Continuei: "É justamente isso que eu quero dizer, viu como você reagiu?"

Agora ela começou a mexer os lábios: "Eu... eu não posso abandona-lo por você, não vale a pena. Você não vale a pena". Plausível, eu não havia dito nada para encoraja-la, era sua vez de expor o que passava em sua mente. "Ainda mais faltando tão pouco para que você se vá. E enquanto estiver fora eu não vou ficar sozinha". Agora eu quase ri, mas contive tal reação. Não seria nada cortês demonstrar que eu já sabia disso, simplesmente disse: "Tudo bem, por isso não proponho nada mais sério. Sei que vamos ficar um tempo longe".

Após isso, ela rapidamente deixou a cama e arrumou-se para sair. "Não posso troca-lo e, mesmo assim,  eu gosto tanto de estar junto de você... Passamos momentos tão divertidos juntos". Tremo e espero que ela não tenha notado. Levanto-me e vamos os dois em direção a sala, o silêncio nos acompanha até lá. Quis sentar no sofá, mas ela fazia menção de que queria ir. Fomos então até a porta, antes de abri-la disse: "Se essa é sua decisão acho melhor você repensar suas atitudes comigo". E com uma cara de espanto ela me olhou no fundo dos olhos dizendo: "Mas você corresponde...", essas palavras escaparam da sua boca como se fossem um pensamento fugitivo.

Quase deixei as chaves caírem da minha mão, tamanha dor que me provocou aquela pequena e destrutiva ideia. Palavras que ecoaram absurdamente dentro da minha cabeça, o que deu a impressão de não haver nada lá dentro. É claro que eu correspondia, o que era de se esperar? Aqueles segundos pareciam minutos e fui eu quem ficou sem palavras.

Abri a porta sem dizer nada. Ela me deu um beijo no rosto, já podia sentir que nada ficaria bem depois disso. Era melhor assim, ela mantem o cara que diz gostar e que provavelmente gosta dela. E eu mantenho minha solidão, sem me sentir um sacana por ter dormido com a mulher de outro cara.

Ela deu uns passos e chamou o elevador, ainda me olhava a espera de que eu a chamasse de volta. Não o fiz, uma decisão tem de ser tomada e mantida. Nesse caso a escolha foi dela e eu não iria forçar sua renúncia. Meu olhar mantinha uma fria calma, parte por achar que era errado tudo que havia passado, outra por não querer deixar transparecer nada mais que isso.

A porta se abre ela entra, mas coloca a cabeça pra fora. Essas são suas últimas palavras: "Eu pensei que você se importava..." A porta se fecha, meu coração tenta parar, inútil, isso não mudaria nada. "Espero ter feito a coisa certa", só o silêncio me acompanha agora e ele pesa.

Um conto que estava guardado na gaveta há mais de um ano... a fantasia sempre se misturará com a realidade ao ponto de que uma não poderá ser separada da outra. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

O meu é pior!


  Seres humanos somos criaturas divertidíssimas, a cada dia que passa me dou conta de uma nova (ou não tão nova) mania que possuímos. Desde sempre vivemos a base de comparações, isso não é novidade pra ninguém – certo?
  Desde criança comparamos brinquedos, dizendo que os nossos são melhores do que o do outro (mesmo que não concordemos de verdade com o fato) e entramos em uma infrutífera e vasta argumentação a cerca do “por que” de tal fato. Os anos passam e paramos de comparar brinquedos – pelo menos a maioria de nós –, porém começamos a nos ater a outras coisas como base de comparação.
  Uma dessas comparações bizarras (e que tão pouco gostamos de perder) é o nível de “desgraça” que nos encontramos. Não me lembro de onde li/ouvi isso pela primeira vez, mas o fato é: mesmo quando nos comparamos aos outros com relação aos nossos problemas não aceitamos tê-los diminuídos pela fala de alguém que diz estar em pior situação do que a nossa.
  A coisa vai começando a ficar mais estranha, não é mesmo? Mas, lembre-se: não há limite pra inventividade (esquisitice) humana. Chegamos, então, ao lugar onde queria me centrar, outro tipo de comparação que existe – essa sendo a mais ilógica das que observei até agora – é a que se faz entre infortúnios alheios. Isso mesmo, desgraça alheia também entra no jogo.
  Ao ser humano não basta quantificar e supervalorizar o próprio estado de infelicidade. Isso é pouco, bom mesmo é coloca-lo na mesa com mais uma massa de desventuras para poder quantifica-las e compara-las. Ora, somos mesmo muito esdrúxulos.
  É como um jogo de “super trunfo” – edição especial tragédias – no qual comparamos itens de sofrimento e desgosto alheio. Chega a ser cômico, o ser humano mesmo em face de algo negativo tem de encontrar maneiras de se colocar em maior importância do que o outro.
  Ainda não entendo de que vale esse tipo de comparação, como essas tragédias atuam de forma a trazer satisfação ao serem proferidas e comparadas. A cada dia que passa percebo o quanto me interesso pelos mistérios da psique humana, vontade de desvendar no outro o que não compreendo em mim mesmo.

domingo, 7 de outubro de 2012

Mania – tomando nota de mim mesmo


Não sou nenhum desenhista, mas às vezes brinco de rabiscar as coisas – tal qual brinco com as palavras. E quando o faço tenho grande preferência pelos traços humanos: mãos, olhos e rostos principalmente. Alguns longe do real, outros em pífia tentativa de imitar o que vejo.
A parte divertida de minha inabilidade é a falta de simetria entre um lado e outro de um rosto que tenho traçar. Fico tão frustrado com o resultado desastroso de meus intentos que, na maioria das vezes, me limito a desenhar apenas metade de uma face.
Meu perfeccionismo impede que aceite minha imperícia. Imagino agora se há alguma literatura que explique minha loucura. É bem provável que sim e, também provável, que não seja algo tão incomum.
Tenho curiosidade pelos mistérios da mente, tudo aquilo que fala de forma indireta. Os detalhes mínimos que revelam naturezas aparentemente desconexas dos seres. O que pode querer dizer essa minha mania? Que traço – reprimível ou não – ela revela sobre minha persona?
Cada um de nós é um conjunto bizarro de manias que escondemos de nós mesmos. Faz anos que brinco com esses desenhos, porém somente agora me pus a pensar sobre o que poderia querer dizer esse costume. O que leva a pensar: o que mais faço de estranho...?
Talvez seja melhor ir mesmo aos poucos, assim não nos assustemos tanto. Uma vez que, notar costumes incomuns nos outros já é digno de estranheza, o que se poderá dizer quando percebemos algo tão singular em nós mesmos. 

sábado, 6 de outubro de 2012

“Coisas invisíveis”


Esse é o nome da peça que assisti essa sexta-feira e não há outro título mais apropriado para o turbilhão de sentimentos que me foi propiciado por ela.
Recebi o convite do Anderson Aníbal para assistir o espetáculo e fui até o Palácio das Artes sem saber o que me esperava e eis que encontro no palco um pedaço de mim. A cada fala ao longo da peça, senti que passagens de minha própria vida eram rasgadas e jogadas na minha cara. Vi verdades inquietantes sendo remexidas dentro de meu interior e passei a assistir os acontecimentos que se desdobravam a minha frente quase como se fossem parte de minha memoria.
Peço perdão pela subjetividade e falta de clareza ao falar sobre o espetáculo. Acredito que seria um sacrilégio tentar reproduzir qualquer pedaço dele – ou mesmo resumi-lo – para criar uma imagem mais concreta. E sabe por quê? É simples: não há nada de concreto na experiência que ele me propiciou.
A verdade é que durante todo seu percurso fui levado a lugares muito intimistas, que dizem respeito a visão particular de mundo que a vida me brindou. Assim, senti-me como expectador de vários sentimentos já vivenciados, colocados ali sobre a lupa de um olhar sensível.
Confesso – sem nenhuma vergonha – ter deixado várias lágrimas se desprenderem de meus olhos a cada fala, gesto e silêncio. O último atua como um personagem da trama, as pausas e, principalmente, tudo aquilo que cala fazem parte da reconstrução das vivencias humanas tão bem dissecadas pela peça.
Senti-me como a peça me propôs: feliz e triste, tudo ao mesmo tempo. Saí com a alma renovada, sentindo-me um pouco mais vivo do que antes de adentrar o teatro. Agradeço mais uma vez ao Anderson pelo convite e por me dar um presente tão grande que foi a peça como um todo.
A quem estiver em Belo Horizonte nesse, e/ou no próximo fim de semana, faço um convite: assistam a “Coisas invisíveis” e sinta algo que as palavras não podem explicar.