segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O “fútil” viver

    O dispensável é aquilo que torna a vida indispensável. São os momentos frívolos e sem valor mensurável que tornam a existência algo maior do que o simples nascer, crescer, multiplicar e morrer.
    Conversava displicentemente com um primo durante o encontro da família no natal e divagávamos sobre diversos temas. Não me lembro bem “o porque” de chegarmos nesse ponto. Ele – filosofo e questionador – me apresentava essa verdade obvia, entretanto nunca tinha pensado sobre o assunto antes. Acho que o mundo, muitas vezes, deixa as respostas na nossa cara sem que nos demos conta disso.
    Por isso os filósofos insistem em questionar seu entorno. Saber perguntar é tão importante (ou mais) quanto poder responder. O conformismo nunca foi algo positivo a meu ver, desde criança sempre fui muito petulante e tinha uma tremenda dificuldade em aceitar verdades que contrariavam o meu entender do mundo. É engraçado admitir isso, mas é bem verdade que o tempo não me mudou tanto assim. Continuo difícil de ser convencido, entretanto aprendi a não manifestar com tanta intensidade minhas opiniões.
    Enfim, esse nem é o ponto central de minha discussão agora. Estava falando sobre as coisas “inúteis” que fazem a vida valer a pena. E o que seriam elas? Me diga você. O que você faz e considera um prazer indispensável que aos olhos dos outros não passa de uma tolice infundada? No meu caso não é muito difícil apontar o obvio: esse santuário virtual é um de meus prazeres e tenho a certeza de que muitos não entendem o motivo pelo qual despendo tanto tempo e energia em mantê-lo vivo.
    Cada um de nós cria subterfúgios e mecanismos para suprir uma necessidade que vai além do simples respirar, comer e dormir. Na realidade mantemos essas funções vitais por acreditar que existe algo pelo qual vale a pena fazê-lo. O que mantêm a vontade de permanecer vagando pelo mundo é justamente aquilo que não faz diferença em nossas funções vitais e talvez seja essa uma grande diferença entre nós e os outros animais.
    Nesse sentido somos deveras criativos e não nos cansamos de buscar nossas formas de prazer em estar vivo. Alguns de nos desafiam o próprio intelecto em busca de solucionar coisas que vão além do obvio e essa é a força que os move. Seja qual for o seu estimulo para viver é certo que no dia que não mais o sentir seu corpo estará fadado a definhar.
    Talvez seja isso: o sentido da vida é único e mutável pra cada um. Aquilo que nos mantêm vivo é justamente o que julgamos tão dispensável. A força que faz com que resistamos a mais um dia, semana e ano provem de algo que – de forma geral – não determina o funcionamento de nossos corpos. O alimento para a alma é tão importante como o alimento físico.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Sem pressa pra morrer


Antes de tudo, gostaria de explicar um pouco do motivo de ter escrito esse conto. A ideia inicial era participar de um pequeno concurso em um site que pedia um capítulo contando qual a perspectiva de uma pessoa sobre o fim do mundo, sendo ela ficaria sabendo que o mundo iria acabar uma hora antes do acontecido desconhecendo possível por que e por quem. Além disso, ficava estabelecida a data e a hora, coisas que acabei mantendo por – um pouco de preguiça – conveniência. Desisti de participar com concurso por, ao ler as regras, perceber que os donos do site desejam escolher os melhores contos pra fazer um livro sem dividir os ganhos com os colaboradores escolhidos. Não me importo com não ganhar dinheiro, nem acho que vá ser uma quantia significativa. Entretanto, não achei legal da parte dos idealizadores do projeto. Acho que é isso, espero que vocês gostem do conto. Abraço!

Sem pressa pra morrer

    É uma sexta-feira, nada de mais até então. Subi até a Praça do Papa pra fugir de todo o tumulto que um fim de tarde pode causar em Belo Horizonte. Nada mal pra um cara que não tem o que fazer, mais vale subir pra cá e tomar uma água de coco enquanto olho a imensidão de concreto que se apresenta a minha frente.
    Não sou uma pessoa muito crédula nas coisas, sabe? Minha vida me ensinou que duvidar vale bem mais do que aceitar aquilo que nos dizem. Tem gente que me acha estranho, nem ligo. Acho que nessa cidade ninguém tem ideia do que está pra acontecer. Melhor assim, eu mesmo ainda não consigo acreditar que em menos de uma hora – às 17h e 15min – essa porra toda vai pros ares... Jeito de dizer, mas vai tudo mudar. E não sei se vai sobrar alguém pra ver o resultado final dessa brincadeira.
    É verdade mesmo, o mundo vai acabar. Quem diria, depois de sobreviver a tantas previsões fajutas de um fim do mundo eu finalmente vou poder ver a coisa acontecer pra valer. O pior... acho que não muita gente sabe que isso vai acontecer. Estão todos continuando suas vidas, na mesma sem vontade rotineira de sempre. Coitados, entretanto é melhor que seja assim. Tenho medo do que o pânico generalizado poderia causar.
    Nós somos muito malucos, sabia? Tem gente que não conseguiria lidar com o fato que não vai existir daqui... daqui a 45min – maldito relógio deu pra andar rápido agora – e acabariam cometendo atrocidades em nome de uma última vontade impulsiva.
    Acho que esse é o fardo daqueles que sabem o que está por vir: guardar no próprio peito a responsabilidade e a angústia de toda a humanidade sem poder dizer nada.  Sentir a dor nas entranhas sem permitir que os outros sofram. Não vou chegar a entender por que eu fui um dos escolhidos pra carregar esse fado, o conhecimento é a mais pesada de todas as maldições humanas. Ao mesmo tempo em que nos sentimos poderosos e superiores, vemos o quão insignificante é a nossa força diante do mundo.
    Vejo crianças brincando no parquinho, elas vão embora felizes: estão aproveitando os últimos minutos de suas curtas existências sem se importar com nada. Acendo um cigarro de palha, tem uns bons anos que eu não fumo. Essa porcaria mata, sabia? Mas, agora isso não importa mais. Morrer moralista não vai me fazer morrer melhor. Se eu posso curtir meus vícios antes de ir vou aproveita-los sem culpa.
    Foram vinte e três anos de existência. Um nada se comparado com muitas outras vidas, porém o mais importante não é bem a duração e sim a profundidade das coisas. Ou seja, em todos os aspectos sou um fodido. Não consegui realizar quase nada, ao menos agora isso me conforta um pouco. Ficaria muito indignado se não pudesse terminar um projeto audacioso por que vai tudo acabar. Vai tudo acabar...
    Que droga! Agora só faltam mais 15min. Como será que vai acontecer? Você deve estar pensando: como eu sei que vai tudo acabar e – supostamente – ninguém mais sabe? Pode me chamar de maluco: foi uma visão. Eu juro! E pode ir tirando essa de “drogado de merda” ou de “fanático religioso” da cabeça. Errou feio, foi apenas uma visão. Não uso drogas, tão pouco as religiosas.
    Como já disse sou desconfiado de mais pra ficar indo nessas ondas, gosto do meu senso crítico do jeito que ele está. Alterações muito bruscas no meu estado de consciência me deixam inseguro. Careta, mas é assim que eu funciono – e deu certo até agora.
     O importante é que a visão foi tão real que parecia estar acontecendo naquele momento. Era uma confusão dos infernos e as únicas coisas que ficaram na minha cabeça foram a data e a hora. Que não poderiam ser mais ingratas: o dia de hoje – 21/12/12 – e a hora exatamente uma hora do momento que eu tive a visão.
    Nem ao menos sei por que me incomodo em escrever isso. Depois de hoje as coisas não vão existir como são agora, ninguém poderá ler esse pedaço de papel. Não importa, só não quero ter de conter todo esse peso que me esmaga por dentro. É de mais pra mim, sou um ser humano normal – me considerava assim até agora – e mereço desabafar.
    O pior de tudo não é saber que vou morrer, pra falar a verdade já não faz diferença agora. O ruim mesmo são todas as pessoas cheias de planos que vão ser extirpadas da face do planeta, tenho dó delas. Não há nada que possa ser feito, ou pelo menos nada que eu possa fazer por elas. Meu silêncio diante dos acontecimentos que estão por vir é o meu presente pra todos.
    Faltam menos de 5 minutos e, por mais clichê que possa parecer, estou com uma música na cabeça. Acho que esse é o problema dos filmes: eles deixam a gente pensando em qual deveria ser a trilha sonora de nossas vidas. É engraçado, não existem trilhas sonoras na realidade... porém, se isso aqui fosse um filme tenho certeza que terminaria com a música “When the man comes arround” do Johnny Cash.
    Menos de um minuto no relógio. E como vou morrer? Me perguntando por que diabos a gente insiste em gastar nosso tempo olhando num ponteiro de relógio tudo aquilo que nunca vai voltar.
 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Relaciones

– Miedo tenemos todos, el miedo es el peor enemigo de una relacion. – dijo el hombre com conviccion.
– No digas eso. Es que vos tenés una relacion mal parida. Esta en vos transformala en buena. – contestó la voz de la realidad.

Agradezco a mi amiga Mariel, por hacerme pensar en como las cosas pueden ser atravez de una otra mirada.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Para Dezembro

    Olá Dezembro, senhor barrigudo representante da bonança e da fartura. Que sua imagem caricata não seja apenas uma ilusão na mesa de centenas de milhões que – por mais um mês – lutam pra sobreviver nesse mundo tão sedento por justiça.
    Entre, venha logo. Agora o senhor é quem comanda o ano, pois faça dele algo memorável. Tente ser menos monótono e previsível do que seus irmãos. Quem sabe assim possamos promover uma real mudança de padrões para o ano que se segue. Com o exemplo de tão digno senhor incumbido de guardar os portões do fim/inicio de mais um ciclo os demais guardiãs dos meses se sentirão impelidos a copiar tão audaciosa ação.
    Ora, mas não se sinta intimidado... por favor! Eis que essa é apenas uma sugestão de um mortal que nada pode decidir sobre as grandes e intricadas redes que regem o universo. Apenas não se esqueça: mesmo a mais insignificante das vozes pode, por vezes, estar certa.
    Perdoe a petulância desse mortal que vos fala, nobre senhor. Sou apenas um reflexo imperfeito de um clamor inconsciente e dormente de outros tantos mortais. Ou, quem sabe, seja apenas um insolente que se crê maior do que realmente é. Perdoe minhas divagações tão mundanas e infantis. Quem poderia querer dirigir-se ao guardião do mês sem ao menos buscar transmitir eloquência.
    Voltarei a minha insignificância contida, ao meu ser de razões ininteligíveis. Vos, senhor, que reine por mais um mês. Termine mais um ciclo, e volte a reunir-se com seus irmãos. Os mortais ainda passarão – figuras indiferentes diante de vossas grandezas. O mundo continuará a ser esse grande ninho de historias que a curiosidade imortal desbravará até o fim dos tempos.

domingo, 4 de dezembro de 2011

sábado, 26 de novembro de 2011

Os beijos

Em cada beijo – abraço e afeto –
Deixo pra tras um pedaço
Desfaço-me nesses gestos
E em seus doces sabores
Relembro seus gozos e tremo...
Diante da certeza de não mais voltar
Sendo assim: quem sou?
Fazem falta os pedaços que perdi,
Levaram-me pra longe de mim

Se um dia fui obra inteira
Hoje sou menos que parte
Como os braços da Vênus
Sou aquilo que não existe
A centelha do imaginado
Um delírio desgarrado

Parti em busca de ti
Quem na multidão?
Alguma alma perdida
Ventania desprendida
Nada, eras vos...
Como eu: outro nó

E novamente me pus a pensar
“Se dos frangalhos que restam
Me jogo no mundo a buscar
Seguramente finda minha luz
Sem que do amor possa gozar”

O triste pensar da emoção
Maliciosamente transvestida de razão
Fez-me então autor de novo intento
Nunca mais doar-me e assim –
Mentirosamente assim –
Desbravar aquilo que não é
E não quer nunca ser: amor

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O míope


Era um rapaz jovem e bem arrumado, levava uma bíblia no colo. Logo notei que era míope e fechava forçosamente os olhos na tentativa de ver as coisas no seu entorno. O mundo devia mesmo parecer estranho a sua vista. Pena ele não ter uns óculos naquele dia cinza. Tinha apenas a sua bíblia e a segurava com vontade – como um naufrago se segura a uma tábua que flutua no mar.
               Minha curiosidade fluía num mar de imagens disformes tentando entender com será que ele via o mundo. Tentar ver o mundo através dos olhos do outro... esse seria um poder realmente interessante. Permitiria mudar tudo, ver o mundo que o outro vê, entender suas motivações e preconceitos.
               Preconceitos, cada um de nós leva os próprios. Alguns são comuns, outros variam na intensidade, há ainda aqueles que chegam a ser antagônicos. Coisas de cada um, coisas do íntimo. E é essa porção interna que revela curiosidades nas superfícies mais externas do ser. Como manias e as formas de tratar o mundo. Mesmo os pequenos gestos podem entregar um pouco do que se passa por dentro.
Continuo a observar o míope, ele talvez tenha esquecido os óculos em casa. Tem gente que não gosta de usa-los continuamente, pra falar a verdade não sei bem como funciona. Por enquanto não tenho de me valer deles para enxergar, mas talvez em alguns anos eu entenda.
               Quem sabe, não fosse sua visão um tanto disforme das coisas, aquele livro não lhe seria tão importante. Por que do modo com o qual ele o carrega sugere uma relação de dependência, ou estaria eu impondo meus preconceitos...? Talvez, entretanto ainda acho que ele demonstra excessivo zelo.
Livros são livros – importantíssimos, devo acrescentar – e é difícil julgar quão profunda é nossa interpretação do que está neles. Interpretar as coisas é uma arte, deveras arriscada. Se existe alguém que sabe qual o real sentido das palavras esse alguém as escreveu. Porém, do momento que elas abandonam sua mente para alojar-se no papel o próprio escritor fica sujeito a perder-las.
Tenho medo das pessoas com o dom da oratória, em suas bocas qualquer coisa se metamorfoseia tornando-se aquilo que bem quer seu transmutador. Fico apreensivo quanto aos danos que alguém assim causa em mentes não muito atentas, tornando algo interpretável em lei inquestionável.
               O mundo deve estar mesmo muito torto e suas imagens devem ter sido muito bem moldadas para tal. O rapaz era apenas um míope, que segurava firmemente o que para ele devia ser a razão do viver. E eu? Apenas mais um passante, porém daqueles que olha o mundo atento às figuras anônimas que atravessam a vista – sempre inquieta.

domingo, 20 de novembro de 2011

Teatralidade social


Viver em sociedade é algo incrível... Somos figuras tão diferentes e nos portamos com comedidas formalidades frente aqueles com os quais não compartimos vivências. Até que ponto permitimos ao outro conhecer nosso verdadeiro eu? Ou, quem sabe a pergunta deveria ser: em que momento deixamos de vestir máscaras sociais para que o “verdadeiro eu” seja livre para atuar?
Podemos ter tantas faces diferentes... Sem que nenhuma delas seja falsa, não senhor. São apenas variações de uma fotografia que tenta se enquadrar ao pano de fundo de forma a criar o menor número de contradições. Um mecanismo de defesa da civilidade, uma vez que o mundo – sem que ninguém tentasse se adequar as realidades tão distintas permeadas pelo dia-a-dia – seria um eterno caos.
Quando devemos nos permitir? Quando devemos nos resguardar ou cobrar do outro? Complicados níveis de interação e subordinação ditam regras intrínsecas a realidade. Coisa de tamanha subjetividade que talvez seja impossível coloca-las dentro das amarras das explicações humanas. Em palavras simples: o meio dita quais os papeis a seguir. Talvez não tenha ficado tão melhor assim...
Em todo caso, a vida em sociedade é mesmo um curioso turbilhão. Esbarramos com os limites do ser e do deixar ser a todo o momento. Crescemos e diminuímos conforme as necessidades que nos são apresentadas. Sim, somos um pouco desonestos – admito. Nem tudo que mostramos ser realmente é, assim como nem tudo que achamos ser também cumpre seu papel.
Vivemos em benefício próprio, em maior ou menor grau. Não conheço quem queria a própria desgraça para, gratuitamente, beneficiar o outro. Somos condicionados a pensar em nós mesmos e na melhor forma de se esgueirar por entre confusas amarras sociais sem cair. Desequilibrando-nos sempre, afinal de contas não há quem não cometa deslizes.
Quão rico é o viver humano – e quão cheio de contradições também. Afinal somos mocinhos e vilões, cúmplices e vítimas. Rodamos por todos os papeis com os quais se necessite para construir a trama da vida. Mesmo naqueles de menor importância, ou de ingrato reconhecimento. O lugar que ocupamos sempre é determinado pelo narrador. E ele é tão diverso quando nós mesmos.