sábado, 26 de novembro de 2011

Os beijos

Em cada beijo – abraço e afeto –
Deixo pra tras um pedaço
Desfaço-me nesses gestos
E em seus doces sabores
Relembro seus gozos e tremo...
Diante da certeza de não mais voltar
Sendo assim: quem sou?
Fazem falta os pedaços que perdi,
Levaram-me pra longe de mim

Se um dia fui obra inteira
Hoje sou menos que parte
Como os braços da Vênus
Sou aquilo que não existe
A centelha do imaginado
Um delírio desgarrado

Parti em busca de ti
Quem na multidão?
Alguma alma perdida
Ventania desprendida
Nada, eras vos...
Como eu: outro nó

E novamente me pus a pensar
“Se dos frangalhos que restam
Me jogo no mundo a buscar
Seguramente finda minha luz
Sem que do amor possa gozar”

O triste pensar da emoção
Maliciosamente transvestida de razão
Fez-me então autor de novo intento
Nunca mais doar-me e assim –
Mentirosamente assim –
Desbravar aquilo que não é
E não quer nunca ser: amor

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O míope


Era um rapaz jovem e bem arrumado, levava uma bíblia no colo. Logo notei que era míope e fechava forçosamente os olhos na tentativa de ver as coisas no seu entorno. O mundo devia mesmo parecer estranho a sua vista. Pena ele não ter uns óculos naquele dia cinza. Tinha apenas a sua bíblia e a segurava com vontade – como um naufrago se segura a uma tábua que flutua no mar.
               Minha curiosidade fluía num mar de imagens disformes tentando entender com será que ele via o mundo. Tentar ver o mundo através dos olhos do outro... esse seria um poder realmente interessante. Permitiria mudar tudo, ver o mundo que o outro vê, entender suas motivações e preconceitos.
               Preconceitos, cada um de nós leva os próprios. Alguns são comuns, outros variam na intensidade, há ainda aqueles que chegam a ser antagônicos. Coisas de cada um, coisas do íntimo. E é essa porção interna que revela curiosidades nas superfícies mais externas do ser. Como manias e as formas de tratar o mundo. Mesmo os pequenos gestos podem entregar um pouco do que se passa por dentro.
Continuo a observar o míope, ele talvez tenha esquecido os óculos em casa. Tem gente que não gosta de usa-los continuamente, pra falar a verdade não sei bem como funciona. Por enquanto não tenho de me valer deles para enxergar, mas talvez em alguns anos eu entenda.
               Quem sabe, não fosse sua visão um tanto disforme das coisas, aquele livro não lhe seria tão importante. Por que do modo com o qual ele o carrega sugere uma relação de dependência, ou estaria eu impondo meus preconceitos...? Talvez, entretanto ainda acho que ele demonstra excessivo zelo.
Livros são livros – importantíssimos, devo acrescentar – e é difícil julgar quão profunda é nossa interpretação do que está neles. Interpretar as coisas é uma arte, deveras arriscada. Se existe alguém que sabe qual o real sentido das palavras esse alguém as escreveu. Porém, do momento que elas abandonam sua mente para alojar-se no papel o próprio escritor fica sujeito a perder-las.
Tenho medo das pessoas com o dom da oratória, em suas bocas qualquer coisa se metamorfoseia tornando-se aquilo que bem quer seu transmutador. Fico apreensivo quanto aos danos que alguém assim causa em mentes não muito atentas, tornando algo interpretável em lei inquestionável.
               O mundo deve estar mesmo muito torto e suas imagens devem ter sido muito bem moldadas para tal. O rapaz era apenas um míope, que segurava firmemente o que para ele devia ser a razão do viver. E eu? Apenas mais um passante, porém daqueles que olha o mundo atento às figuras anônimas que atravessam a vista – sempre inquieta.

domingo, 20 de novembro de 2011

Teatralidade social


Viver em sociedade é algo incrível... Somos figuras tão diferentes e nos portamos com comedidas formalidades frente aqueles com os quais não compartimos vivências. Até que ponto permitimos ao outro conhecer nosso verdadeiro eu? Ou, quem sabe a pergunta deveria ser: em que momento deixamos de vestir máscaras sociais para que o “verdadeiro eu” seja livre para atuar?
Podemos ter tantas faces diferentes... Sem que nenhuma delas seja falsa, não senhor. São apenas variações de uma fotografia que tenta se enquadrar ao pano de fundo de forma a criar o menor número de contradições. Um mecanismo de defesa da civilidade, uma vez que o mundo – sem que ninguém tentasse se adequar as realidades tão distintas permeadas pelo dia-a-dia – seria um eterno caos.
Quando devemos nos permitir? Quando devemos nos resguardar ou cobrar do outro? Complicados níveis de interação e subordinação ditam regras intrínsecas a realidade. Coisa de tamanha subjetividade que talvez seja impossível coloca-las dentro das amarras das explicações humanas. Em palavras simples: o meio dita quais os papeis a seguir. Talvez não tenha ficado tão melhor assim...
Em todo caso, a vida em sociedade é mesmo um curioso turbilhão. Esbarramos com os limites do ser e do deixar ser a todo o momento. Crescemos e diminuímos conforme as necessidades que nos são apresentadas. Sim, somos um pouco desonestos – admito. Nem tudo que mostramos ser realmente é, assim como nem tudo que achamos ser também cumpre seu papel.
Vivemos em benefício próprio, em maior ou menor grau. Não conheço quem queria a própria desgraça para, gratuitamente, beneficiar o outro. Somos condicionados a pensar em nós mesmos e na melhor forma de se esgueirar por entre confusas amarras sociais sem cair. Desequilibrando-nos sempre, afinal de contas não há quem não cometa deslizes.
Quão rico é o viver humano – e quão cheio de contradições também. Afinal somos mocinhos e vilões, cúmplices e vítimas. Rodamos por todos os papeis com os quais se necessite para construir a trama da vida. Mesmo naqueles de menor importância, ou de ingrato reconhecimento. O lugar que ocupamos sempre é determinado pelo narrador. E ele é tão diverso quando nós mesmos.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Conceitos: Nostalgia


               Saudade de um passado que nunca existiu; Falta sentida por uma ilusão – uma vez que as lacunas das memorias são preenchidas por sonhos; Imagens disformes daquilo que realmente foi.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Solidão - nem sempre é ruim

    Se eu pudesse argumentar sobre a solidão diria que existem vários tipos e subtipos. E que é muito comum que um indivíduo experimente suas variações ao longo da vida. Algo mais que natural e necessário na formação da consciência de se estar vivo – acredito firmemente.
    Por exemplo: atualmente me acomete um tipo muito cômodo de solidão. Ao qual não sei bem como nomear, entretanto tive certeza de sua companhia há algumas semanas. Na ocasião caminhava displicentemente de volta para minha casa e no caminho minha mente vagava (de forma livre) investigando meu estado atual. O mais notório foi concluir que – nesse momento – esse estado me faz bem. Sinto-me livre e tranquilo como, muito provavelmente, nunca.
    O mais intrigante foi que, ao tornar conhecimento de minha realidade, me embebi num sentimento ainda mais forte e confortante de felicidade. Mais ou menos como se a confirmação desse fato me permitisse ser ainda mais livre e usufruir de suas implicações sem os medos e os pudores que uma condição velada poderia me trazer.
    Já passei, porém, por outros estados de solidão não tão agradáveis como o que agora me acompanha. E devo dizer que não foram momentos de um gosto tão saboroso, mas de importância igual ao de hoje. Afinal de contas a construção do ser se dá através de todo tipo de vivencia e não poderia menosprezar os aprendizados de algo assim. Melhor entender e domesticar as angústias ao deixa-las livres para causar incomensuráveis danos à alma – seja a minha, ou a aquelas que buscam resgatar-me.
    Infelizmente, esse tipo de conhecimento nos é apresentado após perdas significativas. Assim funcionam as coisas ruins que participam de nossas fundações morais como os pilares de “algo que se deve evitar”. Queixo-me e sinto profunda vergonha desses fatos, no íntimo não nego sua existência e funcionalidade.
    Entretanto, não vou me ater a esses sentimentos pesados. Hoje estou feliz por minha descoberta da “boa solidão”, assim vou chama-la, que me possibilitou uma paz de espirito fundamental para minha caminhada atual. Existem momentos na vida nos quais é importante estar sozinho e, mais que isso, sentir-se bem consigo mesmo dessa forma.
    Sei que esse é um estado temporário – e por mais gostoso que seja, é melhor que o seja – e que há muitos outros estados que transitarão por minha vida. Ninguém é uma coisa só, ninguém funciona de uma única forma mesmo quando submetido às mesmas situações. Essa é uma das belezas da vida e as aprecio profundamente. Somos seres mutantes, complexos e cheios de intricados códigos pessoais, grupais, familiares e sociais.
    A visão de nossas vidas se dá através da lente que está há frente de nossos olhos. Uma lente cheia de camadas que vão se modificando ao longo do dia. Algumas variáveis são mais persistentes e internas enquanto outras são tão efêmeras e superficiais como um sorriso.
    A solidão é uma dessas mais fixas que se alternam de forma mais moderada e progressiva, ao passo que o interlocutor é algo que pode mudar incontáveis vezes em uma mesma hora. Esses charmes que só a mente humana é capaz de criar e manipular buscando sempre uma forma mais favorável a suas necessidades.
    Minha necessidade atual é a solidão, só através dela poderei saciar meus anseios e cumprir com metas estabelecidas por meu consciente – quiçá inconsciente mesmo. A confusão do “compartilhar” nesse momento não me traria benefícios, digo mais: seria uma distração com a qual não posso me dar ao luxo. Há um momento certo para tudo e esse é o meu momento certo para a solidão. Sem culpas, sem dores, nem mágoas, apenas uma companheira silenciosa que conforta minhas ansiedades e quereres.