terça-feira, 28 de maio de 2013

Uma visita ao Dr.

      Doutor, me escuta: nem sempre fui esse maltrapilho que o senhor está vendo, juro. A verdade é que tinha uma vida bem normal antes de certo evento que vou tentar lhe explicar. Quando ainda jovem, era uma pessoa simples e discreta cheia de vontade de mudar o mundo e, quem sabe, viver bem.
      Tinha uma vida que prometia fartura, não muita, mas o suficiente para um homem poder viver em paz consigo mesmo. Foi então, doutor, que a coisa mudou. Já não lembro bem quando, ia vivendo minha vida muito bem até que um desejo muito forte se colocou em minha cabeça: tenho de me tornar uma pessoa notável.
      Pois bem, não que eu fosse algo de estupendo – nunca fui –, porém foi eu meter essa ideia na cabeça que meu mundo inteiro virou. Perdi meu emprego como administrador de uma empresa média, minha mulher me deixou e lá se foi um talho de saúde em todo processo... Muita infelicidade pra um sujeito só, pode até ser e foi o que eu pensei. O destino parecia querer brincar comigo, só porque um dia ousei pensar em ser maior do que sou.
      Bobagem, não é doutor? Bem sei, foi o que eu pensei logo em seguida: como ser tão tolo ao ponto de que uma coisa dessas seria uma sacanagem do destino? Pois bem, doutor, foi assim que segui a vida – conformado – buscando levantar-me um aos poucos sem maldizer a vida. Mas, assim foi e a cada novo querer tinha nova decepção, passei a não entender mais o mundo e a maldizer minha sorte.
      Fui aos poucos me tornando sozinho e largado, é verdade. Me bateu uma tristeza que nem sei dizer mais e sempre que tentava me aproximar de alguém que me fazia bem, em seguida ela era acometida de algum mal. Tive medo, muito medo e me tornei ainda mais recluso. Um andarilho, doutor, é isso sim que acabou por se passar comigo.
      E o mais revoltante, nem te digo, foi a sorte que os que me queriam mal passaram a ter. Parece, senhor, que quanto mais mal quero a alguém mais ela se afortuna a minha frente. Um castigo desmedido e cruel a qualquer criatura do senhor, não lhe parece?
      Pois, se já busquei ajuda...? Ora, um par de vezes, meu doutor. Acontece que é eu começar a tomar rumo que algo de ruim vem pra me desrumar outra vez. A minha sorte até comecei a tentar me acostumar, te digo, não fosse cada penar novo no caminho, aos penares antigos me acostumava sempre – ou melhor, me acostumo sempre.
      Foi assim, doutor, até que outra ideia me veio a mente: a uma vida desgraçada como a minha só pode haver uma solução, morrer e deixar de sofrer como sofro, tornar-me vazio na imensidão. Pois, não pode ser que se acometa um castigo maior a um homem do que ver todo o que deseja sucumbir sem perdão. Oh ingrato pensamento, senhor... Lhe digo com as lágrimas que me escorrem do rosto, com tão grande desejo de morrer a morte de mim sempre se desviou.
     E assim se passaram cem anos, não minto nem deliro meu senhor. E depois de muitas andanças e há muito sem esperanças venho humildemente pedir-lhe que me faça esse favor. Que a mais alta das bênçãos se ponha sobre ti e os seus, nobre senhor, se puderes – enfim – terminar com meu tormento e expurgar essa pobre alma que lhe clama nesse momento.
     Doutor, meu senhor...? O que está acontecendo? Acorde por favor, não seja assim tão injusto e deixe que eu me vá. Ora, essa agora, vai o senhor querer tem com o todo poderoso ao invés de deixar-me tratar minhas contas com ele! Oh injusto mundo, mais uma vez tratando livrar-me de descansar desse penar exacerbado.

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