quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Diário de bordo

O que você está prestes a ler são trechos de um diário de bordo recuperado em uma mesa da lanchonete do terminal rodoviário de Belo Horizonte. Parte de seu conteúdo foi perdido, por ter sido escrito em guardanapo – a gordura da coxinha comprometeu sua integridade. O “documento” se refere a uma jornada noturna de 8 horas entre São Paulo e Belo Horizonte.

“Jan/2012 (21:20) – Começa minha jornada, é hora de voltar pra casa. Cheguei um pouco mais cedo ao terminal pra evitar atropelos e correria. Acabo de me lembrar de um inconveniente: estou sem nenhuma leitura pra me acompanhar nas 8h que terei de enfrentar dentro do ônibus, ainda bem que existem lojas de livros nos terminais.”
 “(22:10) – Saímos pontualmente da rodoviária, um alivio. As páginas do Verissimo que comprei passam rapidamente e tenho de me conter pra não rir alto. Somente eu mantenho a luz acesa, acho que todos os outros passageiros já estão dormindo. O caminho é longo e espero que o livro também seja.”
“(24:30) – Primeira parada. Um alivio, odeio ter de usar o banheiro do ônibus – o motorista sempre freia sem aviso e ocasiona acidentes constrangedores. Alguns passageiros com suas caras amassadas decidiram fazer o mesmo, só eu ainda não dormi até agora. Impossível dormir, a cada página torna-se mais difícil largar o livro e o pior: faltam poucas páginas pra que ele acabe.”
“(01:57) – Problemas na missão... O livro acabou! E o pior: não tenho o mínimo pingo de sono. Ainda sou o único que continua com a luz acesa – desconfio que o cara do meu lado já esteja com vontade me matar por isso. Pelo menos ainda tenho uns pedaços de guardanapo pra me distrair com esse relato. Acho que vou jogar jogo da velha comigo mesmo, talvez ajude o tempo a passar.”
“(03 e muitos) – Meu relógio está conspirando contra mim, eu tenho certeza! A hora não passa e tenho a impressão de que começa a voltar... Ainda faltam umas 3 horas e meu guardanapo já está no fim. Acho que a próxima parada não deve estar longe, o que é bom por que minha caneta já não quer funcionar.”
“(04:??) – Busquei uma caneta pra comprar por todos os cantos nessa parada infernal, não achei... Tive de roubar a da moça do caixa – espero que ela não perceba até eu ter ido embora. Também repus meu estoque de guardanapos, acho que ninguém vai notar os jogos da velha que eu deixei pra trás. Quase ninguém desceu do ônibus, acho que estão armando uma armadilha pra eu não acender mais a luz de leitura. Meu sono não vem nem por reza brava, mas dormir é pros fracos!”

Os demais fragmentos foram perdidos e não sabemos o que aconteceu com o passageiro. A empresa de ônibus disse que desconhece qualquer fato ligado ao caso. Até o momento não se sabe o paradeiro do passageiro. A perícia diz que é possível que ele tenha sofrido algum trauma alimentar durante a viagem e disso decorreu seu comportamento psicótico. Nada mais foi revelado.

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