domingo, 29 de janeiro de 2012

Cachaça – Conversas de boteco

               O amor é feito cachaça... daquelas da melhor qualidade. Essas porcarias baratas que existem por aí são como as paixões: chegam, nos deixam malucos e no dia seguinte só resta a ressaca. Uma bela de uma ressaca, sim senhor, com direito a boca seca e muita dor de cabeça – por vezes umas dores morais e algum vexame pra guardar.
               O amor é diferente... a gente saboreia, sabe? É por que, muito provavelmente, nunca mais sentiremos aquele sabor outra vez. Nunca é igual, nunca vai ser igual. Assim como uma boa cachaça – dessas que custam todo um soldo – o amor é caro. Devíamos aprecia-lo aos poucos, sentindo todos os seus sabores, isso é amar de verdade. Deixar o gosto impregnar o paladar sem pressa e a cada novo gole descobrir outro sabor.
               Não se engane, porém. Feito as paixões o amor também pode te ressaquear feio. E como pode... por isso a calma – nunca a sede – deve ser o seu controle. Digo mais: a ressaca de um amor é ainda mais dura, ela dói no fígado. No fundo do ser.
               O amor não foi feito pra se tomar em um gole só. Não, não, não... Ansiedade. É, é isso. O amor nos embriaga também, sabia? Nos deixa completamente preenchidos e loucos. Numa euforia sem igual, nem preciso dizer... Mas quando tomado com paciência conseguimos manter a sensação boa por muito mais tempo, quanto tempo possa durar uma vida.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pensamento do dia (VI)

           Um dia desses li, em algum lugar, que dar um conselho desobriga a pessoa que o dá de cumpri-lo. Desde então entendi por que sempre gostei de aconselhar quem me procura...

domingo, 22 de janeiro de 2012

Matutice

          Escuta: é o baruiu do mundo lá fora, o som do silêncio d'outro lado da porta. Cá na roça até a lua faz ruído e o tempo escorre preguiçoso.
          Aqui se faz tudin no capricho. Deus deu ao hômi a capacidade de mudá as coisa pra fazê tudo do jeito devido. As plantação cá da terra florece sempre no seu tempo e o tempo do hômi se mistura ao tempo do tempo. Num é na pressa da ligeiresa impacênte da cidade, sempre na inqueta sem vontade d'esperá. Disaprendero o valô do tempo e do trabaio feito cum amô.
          Espia pro cê vê: todo quanto há tem luga certo de fica. Não é de ciência dos hômi humano quere muda as orde divina, nem julgá as obra du sinhô lá de cima. Aques que inventa de contraria as orde do divino acaba machucanu o que num divia e maculando a terra que nos dá a vida.
           E é assim, meu fio, que o seu véio leva a vida. Aprendenu todo us dia a respeita as vontade e os quereres de quem pode mais, que é um só e é Deus. Lembranu sempre da pequeneza que tem um hômi, vivenu sempre sem querê o mal a nenhuma criatura.
          Por isso te digo: cuidado com us caminho do mundo. Não perca da cabeça nu que é fácil, pois nu tortuoso e cumpricado du mudo se isconde a reconpensa de verdade. Viva reto e seja humirde pra que um dia possa ocê mesmo ensiná aos seus os valô quea vida te amostra.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Para uma flor


Momentos e pessoas são únicos. Às vezes somos transportados a momentos e sensações vividas por pequenos estímulos: um cheiro, uma música e até mesmo uma roupa podem ser os portais que nos levam a reviver um passado gostoso que ficou impresso na memoria.
       Escutando a Caetano Veloso sou transportado a Buenos Aires, improvável? Talvez... mas foi lá que tive a oportunidade de ir em um show dele. Mais precisamente a música Leãozinho me leva a um gostoso momento que vivi por lá. Foi durante o show mesmo, estava em companhia de uma autentica porteña: magra, alta, de cabelos castanhos e rosto de menina travessa.
Contava-lhe como aquela canção me fazia lembrar uma prima que carinhosamente canta seu refrão quando me vê. Ela mais que depressa, em um ato de singela ternura, arranhou a canção em meus ouvidos tentando ao máximo imitar as palavras que o cantor entoava em português – língua estranha a ela. Assim abrasados senti um carinho enorme por aquela figura que me fazia um agrado tão espontâneo e esforçoso.
Recém chegado a terras platinas fiquei hipnotizado por tamanha demonstração de afeto. Aquela foi uma das noites mais significativas de meu ano e meio no país. Jasmin, assim como a flor perfumada esse era o nome da mulher, com jeito de menina, com a qual me senti tão confortavelmente em casa naquela noite.
Infelizmente, como nos sonhos bons, foi também a ultima noite na qual me encontrei com ela. Acontece que mesmo quando encontramos pessoas que nos são certas o momento teima em ser indevido e assim foi para nós. Entretanto, guardo no peito com afeto a noite na qual Buenos Aires ficava no Brasil, a primeira noite que percebi que não importa onde é possível sentir-se em casa.


A todas as outras pessoas maravilhosas que conheci em minha estadia em Buenos Aires peço que não se sintam diminuídas. Esse relato é apenas uma dessas coisas que volta e martela a cabeça vez ou outra, mas não quer dizer ela seja maior do que tantos outros momentos magníficos que tive o prazer de desfrutar com todos que tive a sorte de conhecer.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Diário de bordo

O que você está prestes a ler são trechos de um diário de bordo recuperado em uma mesa da lanchonete do terminal rodoviário de Belo Horizonte. Parte de seu conteúdo foi perdido, por ter sido escrito em guardanapo – a gordura da coxinha comprometeu sua integridade. O “documento” se refere a uma jornada noturna de 8 horas entre São Paulo e Belo Horizonte.

“Jan/2012 (21:20) – Começa minha jornada, é hora de voltar pra casa. Cheguei um pouco mais cedo ao terminal pra evitar atropelos e correria. Acabo de me lembrar de um inconveniente: estou sem nenhuma leitura pra me acompanhar nas 8h que terei de enfrentar dentro do ônibus, ainda bem que existem lojas de livros nos terminais.”
 “(22:10) – Saímos pontualmente da rodoviária, um alivio. As páginas do Verissimo que comprei passam rapidamente e tenho de me conter pra não rir alto. Somente eu mantenho a luz acesa, acho que todos os outros passageiros já estão dormindo. O caminho é longo e espero que o livro também seja.”
“(24:30) – Primeira parada. Um alivio, odeio ter de usar o banheiro do ônibus – o motorista sempre freia sem aviso e ocasiona acidentes constrangedores. Alguns passageiros com suas caras amassadas decidiram fazer o mesmo, só eu ainda não dormi até agora. Impossível dormir, a cada página torna-se mais difícil largar o livro e o pior: faltam poucas páginas pra que ele acabe.”
“(01:57) – Problemas na missão... O livro acabou! E o pior: não tenho o mínimo pingo de sono. Ainda sou o único que continua com a luz acesa – desconfio que o cara do meu lado já esteja com vontade me matar por isso. Pelo menos ainda tenho uns pedaços de guardanapo pra me distrair com esse relato. Acho que vou jogar jogo da velha comigo mesmo, talvez ajude o tempo a passar.”
“(03 e muitos) – Meu relógio está conspirando contra mim, eu tenho certeza! A hora não passa e tenho a impressão de que começa a voltar... Ainda faltam umas 3 horas e meu guardanapo já está no fim. Acho que a próxima parada não deve estar longe, o que é bom por que minha caneta já não quer funcionar.”
“(04:??) – Busquei uma caneta pra comprar por todos os cantos nessa parada infernal, não achei... Tive de roubar a da moça do caixa – espero que ela não perceba até eu ter ido embora. Também repus meu estoque de guardanapos, acho que ninguém vai notar os jogos da velha que eu deixei pra trás. Quase ninguém desceu do ônibus, acho que estão armando uma armadilha pra eu não acender mais a luz de leitura. Meu sono não vem nem por reza brava, mas dormir é pros fracos!”

Os demais fragmentos foram perdidos e não sabemos o que aconteceu com o passageiro. A empresa de ônibus disse que desconhece qualquer fato ligado ao caso. Até o momento não se sabe o paradeiro do passageiro. A perícia diz que é possível que ele tenha sofrido algum trauma alimentar durante a viagem e disso decorreu seu comportamento psicótico. Nada mais foi revelado.