quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Teatro do sonho

Abre-se a cortina, no centro do palco surge uma figura desolada. Parado parece suplicar aos céus por uma resposta. Há apenas uma luz muito forte sobre ele e é impossível ver seu entorno. Seus olhos fundos são uma mistura de lágrimas e experiência, talvez com uma pitada de insónia. Suas roupas são simples e puídas pelo tempo.

Quão bizarra me parece tal ser, e ao mesmo tempo me causa uma empatia sem igual. Sinto um frio na espinha ao tentar desvenda-lo. Deus... seus traços talhados ardilosamente pelos anos refletem uma imagem assustadoramente familiar.

A súplica vira um pedido de perdão e, seu corpo trémulo, faz um esforço monumental para manter-se de pé. Impossível, a luz parece esmagar seu corpo de forma cruel e, reduzido aos joelhos, afrouxa compulsivamente a gravata listrada. Transpira, medo e angustia. Na verdade o suor verte como uma cachoeira violenta. Alguns pingos, fungitivos, se arrebatam no chão, suicidas que apartam daquele corpo velho e cansado.

Escuto murmúrios vindos de onde seria a plateia. Mesmo na impossibilidade de distingui-los soam ameaçadores. Seriam eles ecos do passado? Velhas farpas e descontentamentos que ficaram encrustrados no peito. Deboches, brigas, recordações torturantes que miram o velho solitário e moribundo.

Porque um nó tão forte me aflige a garganta? Aquela figura simples e atordoada me faz recorrer sentimentos tão nobres, embora seja desmantelado na minha frente.

Ele agora olha na minha direção, sua expressão é de profunda vergonha. Atónito diante desse fato me dou conta do que realmente estou vendo. Esse senhor que se retorce e finda na minha frente... essa alma resvalada e doente... sou eu.

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